Década de 60 desenraizada
Afora pelo meu nascimento, o ano de 1959 não foi particularmente excitante. Na verdade, é muito mais charmoso nascer em 1960. Além disso tem a vantagem do número redondo, que facilita eternamente, ou melhor, perpetuamente, fazer as contas de quantos anos você tem.
Não que o meu nascimento tenha sido de grande importância social. Certamente não salvou o ano de 1959. Mas, sem dúvida, foi de enorme importância pessoal para mim. Nascer em 1959 não tem a vantagem de pertencer à década de 60, nem a vantagem de saboreá-la do alto de uma idade consciente, como seria mais o caso se eu tivesse nascido em 1950 ou mesmo 1955. Talvez 1954, no quarto centenário de São Paulo.
Nossa década de 60 tampouco foi tão charmosa quanto a década de 60 americana. Enquanto lá curtia-se liberdade, experimentações e um aumento produtivo da consciência crítica, aqui sofria-se a restrição de liberdade, perseguição, militarismo e embotamento mental. Crianças alinhadas cantando o Hino Nacional e venerando os símbolos da Pátria, trauma que colocou tudo a perder trinta anos depois – as crianças, e a água do banho, tudo foi pelo ralo de uma ideologia pós-modernista apátrida e sem referências.
Vim parar na década de 60 latino-americana pelo mesmo motivo que para cá trouxe outros descendentes de imigrantes: o preço da passagem do navio. América rica, mais caro. América pobre, mais barato. Tivesse meu bisavô gasto uns tostões a mais na passagem, teria visto a década de 60 de Nova Iorque; talvez tivesse entrado para a Máfia, teria um Cadillac e poderia facilmente livrar-me de meus desafetos. Não tem como isso funcionar no Brasil. Aqui, como tudo, a máfia não seria levada a sério. Os protegidos que deixassem de pagar iriam apanhar numa semana, na outra não. Os capangas teriam pena dos explorados. Além disso, os mafiosos teriam que se contentar com galinhas e cabras dos contribuintes sem dinheiro. Acima de tudo, levariam a pior fazendo política com mineiros e cariocas.
Desde a década de 60 as mentes críticas condenam a subserviência brasileira à cultura americana e aos seus símbolos. Na década de 70 o rock foi absolvido, mas ainda hoje preferi-lo à música brasileira coloca o ouvinte num etos inferior, do qual, em algum momento e de alguma forma, deverá se redimir.
Não consigo evitar de me deixar levar por uma cultura estrangeira. Sinto como se toda a contrapartida cultural com a qual nos defendemos do americanismo me fosse estranha: é afro-americana, indígena, regionalista, portuguesa. De endógeno mesmo... Bossa Nova? Referimo-nos a nossos traços culturais – pejorativamente ainda por cima – como “tupiniquins”. Tenho cara de tupiniquim? Se meu bisavô apenas soubesse que havia tupiniquins por aqui, teria tomado o outro navio.
O que tenho eu a ver com isso tudo? Eu gosto de lasanha e espaguete. Ninguém aqui escreve meu nome certo, nem pronuncia certo quando já está escrito. Tudo o que me resta é o Bexiga, a Basilicata e o molho de macarrão caseiro.