A Invasão do Iraque de 2003
Doutores em Ciência Política, jornalistas especializados, políticos profissionais, autoridades militares e outras pessoas que, como estas, estão tecnicamente muito mais qualificadas do que eu a analisar e opinar sobre o fato supra, parecem ter feito o seu trabalho e esgotado o assunto.
Não obstante ainda palpita em meu ser a incômoda sensação de injustiça – aquela, que leva o homem a ter a própria noção do que é justo; sensação de desrespeito; desproporcionalidade; falta de verdade; e perigo futuro para os valores humanos.
De sorte que não me furtarei a, tendo meu pequeno lugar ao sol na mídia eletrônica, dar a minha opinião, mais à guisa de um manifesto pessoal de indignação e tomada de posição, do que para acrescentar informações úteis àqueles que acompanharam o recente desenrolar dos acontecimentos.
Os inspetores da ONU ainda trabalhavam no afã de conseguir um desarmamento pacífico do Iraque. Os EUA, percebendo que perderiam a votação em plenário, retiram da votação do Conselho de Segurança da ONU a deliberação que permitiria uma intervenção armada ao país árabe, e decidem agir unilateralmente.
O que os países respeitadores do Direito Internacional chamaram de Invasão do Iraque foi denominado, pelos invasores e seus aliados de “Guerra contra o Terrorismo”. A justificativa da invasão injustificável teve pérolas que variaram de “guerra preventiva”, parca imitação da arte de Minority Report; até a posse, até o momento não comprovada, de armas de destruição em massa. Algo como prender o Iraque por porte ilegal de armas não encontradas, com a configuração de crime de perigo futuro.
A prova de que tais argumentos são infundados deu-a o próprio desenrolar da guerra: é nítido para todos aqueles que não tem cérebro de Rambo que os iraquianos não têm poder bélico para defender seu próprio território, quanto mais para ameaçar território alheio.
O mesmo desenrolar mostra a covardia da agressão: fantásticas tecnologias militares como satélites, mísseis continentais inteligentes, milhares de aeronaves e sofisticados equipamentos individuais, contra fuzis e granadas do pós-guerra.
Patéticos protestos do Ministro da Defesa americano: contra o fornecimento de alguns milhares de óculos de visão noturna (de tecnologia ultrapassada) para o país invadido, quando cada soldado americano tem o seu. Patéticos protestos de vários outros americanos contra a ajuda militar dos vizinhos do Iraque, proibida pelas mesmas normas da ONU que os EUA violaram.
Patética consciência de um povo rico que acha mais prováveis as teses de seu governo acerca da guerra preventiva e das armas de destruição em massa não apresentadas, do que as evidências ululantes dos interesses DIRETOS do presidente e do vice-presidente no negócio do petróleo. Não são especulações distantes, meras ilações a serem provadas: os dois possuem empresas petrolíferas, e todos sabem disto.
Durante a guerra, diversas frases sintetizaram o sentimento geral, e foram transformadas em slogans e gritadas nas manifestações contra a guerra, bem como espalhadas pela internet.
Duas em particular permanecer hoje, há mais de um mês do término das hostilidades: “Não há nada que a guerra faça que a Paz não faça melhor”, e a obscena “Bombing for Peace is like Fucking for Virginity”.
A primeira chamou-me a atenção pelo fato de transformar a realidade específica em norma de conduta geral: a paz, representada pela legalidade internacionalmente institucional da atividade dos inspetores da ONU, fazia um trabalho melhor, mais limpo, mais decente, mais humano, menos sangrento e assassino, do que a guerra fez. Apenas demorava mais, e, é claro, não resultava em contratos milionários de espoliação das riquezas iraquianas por empresas privadas doa países aliados.
A segunda frase, sustentada por um cartaz que duas jovens manifestantes americanas ostentavam numa manifestação dentro dos EUA, fica pela rudeza de sua obviedade: a virgindade, que, como valor humano literal está em desuso, simboliza pela metonímia os valores humanos em seu conjunto, aqueles que a paz preserva: a vida, o entendimento, a negociação, a moralidade (só se pode agir moralmente pelas palavras e atos pacíficos – qual a moralidade possível dos canhões?); o fucking, a obscenidade da agressão desproporcional, sangrenta, a esses valores – e a hipocrisia de fazer isso em nome desses mesmos valores.
O que ficou de bom em mim foi o orgulho de minha nacionalidade. O Brasil, tradicional amigo dos EUA, que compra seus filmes e os apresenta com som original e legendas; que tem em seu território milhares de marcas americanas; que tem nos EUA o seu principal parceiro comercial – e, fundamentalmente, o Brasil em que os estudantes americanos podem pedir carona com a bandeira americana pregada na mochila; o Brasil que trata carinhosamente os visitantes americanos, posicionou-se.
O povo posicionou-se nas discussões nas escolas, nas padarias, nos táxis, nas reuniões familiares. A mídia posicionou-se em seus editoriais.
O parlamento posicionou-se nas falas dos nossos representantes – que, por esta vez, nos representaram condignamente. O governo posicionou-se na voz do Presidente. Os publicitários posicionaram-se em referências contra à guerra nas mensagens publicitárias. As empresas, mesmo multinacionais, posicionaram-se adotando e veiculando essas mensagens. O Brasil foi unânime na reprovação à guerra.
Por este motivo, este editorial é quase inútil. Fico orgulhoso de, nesta matéria, ser apenas mais um brasileiro.