Wednesday, August 24, 2005

PELA MANUTENÇÃO DE NOSSOS VALORES

"Não vamos jogar o bebê junto com a água do banho", parece ser o ditado popular mais citado do momento, ao menos por aqueles que, acusados, clamam inocência. Dirigem-se aos acusadores, ao quarto poder, e ao público, querendo dizer que há algo errado, deve-se cortar na carne, mas não se deve tirar a carne errada, ou talvez não tirar carne demais.
Também me dirijo aos acusadores, ao quarto poder e ao público, mas para discutir um sentido mais profundo para bebês e água suja.

Não suporto a arrogância. Se há uma característica humana que tira-me o bom humor é ser tratado como um ser de segunda categoria por outro ser humano. Mas... arrogância não é crime, é idiossincrasia, definida em nossa Constituição como direito humano "de primeira ordem". Portanto, não podemos condenar pessoas pela idiossincrasia desagradável da arrogância, mas devemos, sim, exercer o difícil fato ético da democracia, que, como fato ético, só existirá se o exercermos. E assim, aguentamos o sujeito ou dele nos afastamos.

De maneira similar, nossos desejos e sentimentos muitas vezes entram em contradição com nossos valores, e é nesse momento que a cidadania deve aflorar: pois ser cidadão em dia de festa não é vantagem; qualquer primata pode exercer esse tipo de comportamento.

Tal é o caso do desejo e sentimento de condenação de José Dirceu. Não o estou a defender: como você, também não gosto dele. Acredito na sua inocência tanto quanto acredito em Papai Noel e na Fada Madrinha: isto é, não tenho ilusões a respeito. Que fique bem claro. Gostaria que ele fosse punido. E ele pode ser punido, se a CPI, o Ministério Público e a Polícia Federal fizerem seu trabalho bem feito (e derem um pouco de sorte).

Levanto esta questão porque os deputados e senadores, bem como a imprensa, na ânsia (justa) de punir, dá amplas mostras de passar por cima dos direitos humanos básicos, que tanto tempo levamos para conquistar, e que em tão poucos países do mundo vigoram. Membros da CPI fazem pouco dos advogados dos depoentes; alguns questionam a utilidade e a legitimidade da presença dos mesmos nos fóruns parlamentares; outros reclamam de que os clientes se consultam com seus advogados para responder perguntas (!); todos impedem que o advogado se manifeste em defesa de seu cliente. Troçam da decisão do STF de haver fornecido habeas corpus para o elemento que depõe na condição de envolvido. Todos estes, senhores parlamentares, são direitos do cidadão brasileiro, aprovados pela mesma casa que agora deles se quer ver livre. Não gostam da lei? então mudem-na. Vossas Excelências são o Poder Legislativo. Mas enquanto vigorar a lei, por favor, cumpram-na.

Este desrespeito com os direitos do cidadão provocam em mim um sentimento de revolta, ainda mais que fui um dos que lutei para que tais direitos fossem estabelecidos, pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte Livre, Soberana e Democrática (lembram...?), eleições diretas, direito de reunião, direito de expressão.

Em função desse sentimento, escolhi o caso de José Dirceu porque o considero emblemático (o caso, não o Dirceu).

Estou defendendo o princípio jurídico básico, tão caro para os brasileiros, de que não se deve condenar sem provas. Nem mesmo José Dirceu. Está claro que ele foi o articulador político do PT desde antes do governo até sair do ministério? está. Está evidente de que ele sabia do que se passava com as finanças do partido? está. Está difícil de acreditar nas acrobacias discursivas de depoentes e de correligionários sobre o não envolvimento dele (e do presidente) nos crimes fiscais, eleitorais, de evasão de divisas e de circulação ilegal da moeda, já comprovados? sim, é muito pouco crível que existisse um teto hierárquico no PT ou no governo, a partir do qual somente anjos tivessem moradia.

Mas, fundamentalmente, há provas do envolvimento de José Dirceu em atividades ilegais? não, não há provas. E abrir uma ferida num princípio jurídico tão precioso é um preço alto demais para se pagar pela cabeça de José Dirceu.

Pois este não é senão o princípio que garante que os inocentes não serão injustamente condenados. Este é o princípio, pelo qual lutamos durante os anos de ditadura, que garante os direitos individuais e passa o ônus da prova para o acusador, retirando de nosso ordenamento jurídico o absurdo lógico de deixar para o acusado a prova epistemologicamente impossível de que algo não aconteceu.

Este é o princípio culto, que herdamos dos romanos, que atravessou séculos de costumes na Europa civilizada, e permanece, material, a nos diferenciar dos bárbaros. A nos diferenciar de um direito que admite a punição preventiva contra crimes futuros. A nos diferenciar de ações militares unilaterais baseadas em evidências inexistentes, como as armas de destruição em massa do Iraque.

Este é o princípio de Justiniano, e aqueles que, como nós, optaram por ele, tomaram já uma decisão junto com a opção: “mais vale arriscarmo-nos a salvar um culpado a condenar um inocente” (VOLTAIRE). Não haverá crivo legal que seja preciso o suficiente para acertar em todos os casos. Então temos que calibrar o erro, e a tradição romana calibra em favor dos inocentes.

Esta é a nossa criança que não pode ir junto com a água suja.

5 Comments:

At 5:05 PM, Anonymous Anonymous said...

Oie professorrrr!!!

Rs... Eu nem sei mais o que dizer sobre a atual situação brasileira... Só espero que não acabe tudo em pizza, mas que também não cometam a injustiça de prender alguém (no caso Dirceuzinho) sem provas concretas de seus atos.

Se for pra algo acontecer, que aconteça direito, mas que aconteça, rs...

Bjokinhas professor!!!

Kaká ;) (Karen Lina - Adms 4D xD)

 
At 6:51 AM, Blogger Blog do Amatucci said...

Obrigado pelo seu comentário, Karen. Não me oponho à punição do Dirceu; oponho-me à punição de qualquer indivíduo sem provas. No caso, gostaria que conseguissem as provas...
Um abraço

 
At 12:09 PM, Anonymous Anonymous said...

Mestre Amatucci... você na internet, quem diria. Bom, pois é, concordo com vc quanto a não punir pessoas sem provas, mas como são políticos, eu não me importo tanto se punirem. Por isso é que eu prefiro ficar na montanha; lá a gente não se preocupava com isso, e tava tava pouco se importando com o que tava acontecendo aqui. Um bjo pra vc...

 
At 7:48 AM, Blogger Blog do Amatucci said...

Climb ev'ry mountain
Search high and low
Follow every byway
Every path you know.

Climb ev'ry mountain
Ford every stream
Follow every rainbow
Till you find your dream.

A dream that will need
All the love you can give
Every day of your life
For as long as you live.

Climb ev'ry mountain
Ford every stream
Follow every rainbow
Till you find your dream

A dream that will need
All the love you can give
Every day of your life
For as long as you need
Climb ev'ry mountain
Fold every stream
Follow every rainbow
Till... you... find... your...dream!

 
At 6:59 PM, Anonymous Anonymous said...

Prezado prof. Marcos Amatucci, parabéns pelo blog! Um blog de idéias e argumentos.

Concordo com os princípios. Também me incomoda a arrogância dos que se consideram acima da lei... Não joguemos fora a criança com a água suja, nem o sabonete e o patinho de borracha!

Apesar do quadro lamentável, sinto uma certa alegria ao ver brasileiros discutindo política outra vez, nas ruas, nos bares, com tanto interesse quanto discutem futebol.


Abraços!

Gabriel Perissé

 

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